segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Você me matou?

(1ª Parte)

Me recordo daquela tarde como se fosse ontem. 

Pela manhã, um dia comum como aqueles que a qualquer momento uma catástrofe pode acontecer e acabar com o mundo. Passei o café, traguei o cigarro, eu estava apenas de roupão de lingerie pois era assim que eu sempre me sentia melhor, em meus próprios momentos de escuridão quando minha única luz era eu mesma.

Mas aquelas cartas que eu pressionava forte com as pontas de meus dedos que estavam me angustiando, de uma tal forma que nem lembrava mais a ordem entre respirar e inspirar. Olhei pela janela, me assustei com um pássaro negro que alçou seu voo próximo a mim, ele estava em uma velocidade tão grande que o susto me fez dar alguns passos para trás. Senti inveja daquela liberdade.

Havia um ano que eu estava casada. Minha vida nunca mais seria a mesma e disso eu sabia pois cada vez que meus olhos passeavam por aquelas palavras carregadas de malícia e ironia eu podia ter mais certeza.

Havia um ano que eu não tocava com meus olhos os seus olhos, olhos esses que dificultavam a leitura daquela alma, alma essa que suponho é carregada de uma vastidão de sentimentos que nunca antes foram escritos nem por Vinicius, nem por Rodrigues. Tão dissimulada, que quando dançávamos naquele baile, o ar tomou outra consistência e nem o espelho ousava me mostrar seu reflexo, nem os porquês de como meu riso era fácil quando eu estava a seu lado.

Mas eram aquelas cartas, aqueles apelos, aquele pedido de um último encontro que me prendia atenção.

O casarão, revestido de madeira. No chão, tapetes. Nas paredes, quadros. No canto da sala havia um relógio que fora trazido da Inglaterra, era mais alto que eu, e badalava seus segundos com sons mais solitários daquela imensidão branda de silêncio, onde apenas eu era sua única companheira.

Subi as escadas e os ruídos dos meus pés nos degraus se confundiam com a minha mente barulhenta e atordoada ainda por aquelas palavas. "Querida Raquel..." Quando ouço passos rápidos no fim da escada, meu corpo gelou, minha respiração parou por alguns instantes, eu precisava olhar pra trás e na mesma lentidão que meu rosto se curvava para o fim da escada minha mente foi ficando silenciosa, porém o vulto era exatamente um nada. Nada comparado ai medo de sentir te olhar nos olhos novamente. Nada, como o nada que me fazia companhia, além das badaladas que o relógio fazia.

Já são quatro horas da tarde. Fecho o livro que eu estou lendo apenas para o tempo passar mais rápido. E... Jane Austen, Elizabeth poderia ser mais vulnerável ao amor de Mr Darcy. 

Me levanto da cama alta e tudo se rangeu desde minhas vísceras, até as molas do colchão. Preciso de um banho quente antes deste encontro.

Na banheira de água quente, tudo está muito silencioso. Meu olhar se perde no teto, minha respiração se torna ofegante, algo agarra meu pescoço com tanta força que me sufoca e tira o resto de ar que me sobra. Então o choro vem, minha garganta se fecha e sei que só conseguirei abri-la novamente se gritar. E grito. De raiva. Por ainda sentir meu corpo arrepiar cada vez que lembro de como Ricardo passava suas mãos pelas minhas costas.

E como de praxe, "Ricardo e suas surpresas", nunca sei que roupa usar, mas já que será a última vez que seja marcante. Sapatos e vestidos da mais alta costura, chapéu e luvas. Caminho até a rua, olho para o céu. Azul. O Sol está forte mas o vento é gelado. Sinto outros calafrios quando penso no erro que estou fazendo ao ir de encontro ao velho amante. Eu que já tinha jurado a mim mesma que nunca mais voltaria a me encontrar com aquele homem novamente. Mas há algo naquele homem de palavras fáceis que me prende e me arranca de mim mesma, como se não fosse dona de mais nada, além das vontades daquele homem. 

Nunca o entendi e talvez nunca o entenderei. 

Texto baseado no conto "Venha ver o Pôr do sol" de Lygya Fagundes Telles. Conta uma hipótese de como foram os momentos antes de Raquel e Ricardo. 

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